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Entrevista

“O principal desafio é transformar os empresários do setor em gestores”

23/05/2023

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Com um currículo invejável nas áreas da gestão, consultoria, formação e coaching, Dário Afonso é o responsável da empresa ACM - AutoCoach Management e tem feito um importante e rigoroso trabalho de formação em parceria com diferentes entidades, merecendo natural destaque o desenvolvido diretamente com a SDF Portugal. Envolvido na criação de um grupo de trabalho e de formação dentro da ACAP, Dário Afonso tem uma perspetiva global muito abrangente e tecnicamente capaz sobre os desafios que o setor da maquinaria agrícola enfrenta, bem como quais serão as ferramentas necessárias para os levar a bom termo.


Num setor que carece de profissionalização para acompanhar a evolução constante na gestão das empresas, e depois de ter dado uma formação de Master em Gestão de pós-venda à rede SDF, será que nos pode traçar um cenário global sobre os desafios que as empresas de comercialização de maquinaria agrícola enfrentam?
Dário Afonso – Antes de mais quero dizer, perentoriamente, que Portugal tem muitos e bons empresários neste setor e aos quais muito devemos agradecer. Com muito esforço e dedicação conseguiram criar microempresas que hoje já chegaram a pequenas e médias. O grande drama que estamos a viver é que muitos destes empresários precisam de ser gestores. E, como gestores, têm de perceber que, por exemplo, o segmento do pós-venda é crucial para a rentabilidade das suas operações. Ainda há quem veja o pós-venda como um mal necessário e, acredite, quem pensa assim não vai andar por cá muito mais tempo.


Por falar no pós-venda, o right to repair é amplamente debatido por concessionários e agricultores nos EUA e nos Países-Baixos, tendo inclusivamente a John Deere aceitado dar aos seus clientes nos Estados Unidos o direito de reparar os seus próprios equipamentos. Poderá o negócio dos concessionários agrícolas evoluir para instalações de reparação multimarca, aumentando assim o volume de negócio?
O right to repair não é propriamente um conceito novo. Na área dos automóveis ligeiros já existe há imenso tempo e o próprio regulamento do Block Exemption prevê o direito a reparar. O que acontece é que as máquinas agrícolas estão muito mais complexas e tecnologicamente evoluídas. Falamos de telemática, inteligência artificial, condução autónoma... E a verdade é que não temos pessoas tecnicamente preparadas para enfrentar estes desafios. Os próprios gerentes destas concessões ainda não perceberam que o modelo de negócio mudou. O após-venda já não é apenas reparar máquinas ou fazer a manutenção de um trator, há todo um conjunto de soluções e serviços associados que têm de ser colocados ao dispor dos clientes. Veja-se, por exemplo, o smart farming e a agricultura de precisão. Estas empresas vão ter de dar o salto e propor soluções combinadas que passam pela gestão das frotas, smart guidance, etc... Aliás, atualmente já não faz muito sentido diferenciar a venda e o pós-venda, porque o cliente não entende esta divisão. O cliente quer um interlocutor/uma solução. Tão importante como conhecer o seu negócio, o empresário ou o responsável da concessão tem de conhecer o negócio do cliente. Só assim pode ajustar a oferta às necessidades deste e criar soluções combinadas que o tornem um verdadeiro parceiro do seu cliente. Fornecer maquinaria toda a gente pode fazer, ainda para mais na era da internet, o que vai fazer a diferença é saber oferecer ao cliente um conjunto de soluções e serviços que o fidelize. Não se esqueçam que há toda uma nova geração de empresários agrícolas, muito mais formada e com empresas estruturadas, que exige uma solução à sua medida. Colocam o desafio e esperam que o concessionário arranje uma solução integrada que satisfaça as suas necessidades. Mais, muitas destas empresas serão “levadas” a vender serviços de consultoria e formação. No fundo é rentabilizar o know-how que possuem e que pode servir os intentos dos clientes.


O digital é apenas um meio de promoção ou é já um verdadeiro canal de vendas? E estará o setor preparado para o crescimento exponencial desta componente na atividade e nos negócios?
O digital já não é apenas uma forma de comunicar ou dar a conhecer a empresa, hoje é uma inegável ferramenta de vendas. Há esta segunda geração muito mais evoluída e que pretende desenvolver (ou já desenvolveu) aplicações digitais integradas e que vê nesta mudança de paradigma uma inevitabilidade. Na indústria de peças, há empresas a faturar 10 ou 15 milhões de euros que têm, nas suas estruturas internas, programadores a desenvolver soluções digitais cada vez mais evoluídas e eficientes. Não tenho dúvidas que nos próximos anos, o digital fará toda a diferença. Mais uma vez, basta pensar na agricultura de precisão.
O problema é que o setor ainda não está, efetivamente preparado para esta mudança. E a escassez de recursos humanos especializados é, mais uma vez, um handicap. Mas, e verdade seja dita, os próprios construtores de máquinas agrícolas só acordaram para esta realidade há relativamente pouco tempo. É verdade que há empresas que já avaliam os seus concessionários não apenas pelas quotas de mercado, mas também pela quantidade de máquinas que estão ligadas por telemática (connected shares) e permitem obter dados que são essenciais para o desenvolvimento de novos produtos, de novos serviços e estratégias, mas esta ainda não é uma prática generalizada.


O Dário chegou a dizer que há duas áreas em que a digitalização é crucial: a ganhar dinheiro, mas, acima de tudo, a evitar perdê-lo... Pode explicar melhor este conceito?
Quando falo a alguns clientes na digitalização, a primeira pergunta que me colocam é “quanto é que isso vai custar?”. Ainda não sabem do que estou a falar ou qual é a ideia subjacente, mas o custo é sempre a primeira preocupação. Avaliar o retorno é importante, mas isso é fácil quando falamos em promoção nas redes sociais ou em canais digitais, mas não é a isso que me refiro. Há duas áreas que me interessam particularmente e que podem ajudar a reduzir os custos: conhecimento do negócio e a automatização de processos dentro das organizações. Esta parte da digitalização permite que, de forma automática e sem necessitar de duas ou três pessoas a duplicar funções ou a conferir papelada, se automatizem processos que, assim, se tornam mais rápidos e eficientes. Isto numa oficina, por exemplo, é facílimo.


Muitas empresas ainda olham para a formação como um “custo”, quase uma obrigação, e não como uma mais-valia ou um investimento. Acha que esta noção está a mudar?
Isso é uma característica nacional. Tudo o que estiver associado a marketing é um custo e tudo o que estiver associado a formação é um custo. Aliás, quando o negócio “aperta”, estas são as duas áreas que saltam logo das folhas de Excel...
Mas o cenário não é todo negro. Eu conheço o universo da formação há 30 anos e a realidade mudou muito. Quando criei a ACM há 20 anos, 20% da faturação era resultante da formação e 80% da consultoria. Hoje é o inverso. O problema estava, muitas vezes, na credibilização. Ou as pessoas acreditam naquilo que lhes estou a “vender” ou não acreditam. Daí a questão do “será que vale a pena?”.

Há 20 anos a primeira questão que me colocavam quando organizava uma formação era “onde é o almoço ou o jantar?”. Hoje, os participantes são muito mais exigentes, é verdade, mas também estão muito mais predispostos a trabalhar e a tirar partido dos conhecimentos que adquirem. No trabalho desenvolvido com a SDF Portugal, por exemplo, é muito gratificante perceber que os participantes, terminado a formação ou o Master, pedem novas ações. Mesmo no seio da ACAP, quando está a decorrer a formação, muitos dos empresários e gestores já reconhecem a relevância daquelas ações e pedem para intervirmos nas suas próprias empresas. Há 20 anos nós não ouvíamos isso. Ou seja: já há quem veja a formação como um investimento que se paga a si mesmo.


Os empregadores estão devidamente sensibilizados para a necessidade de dignificar, valorizar e reter o trabalho especializado?
A maioria dos empresários do setor em Portugal ainda tem um problema sério com a gestão de recursos humanos. A minha visão é que temos de dar condições dignas às pessoas para podermos exigir. Tem de haver, de uma vez por todas, uma política coerente de recursos humanos dentro das empresas. Mais, na minha opinião, tem de haver uma política de carreira nas organizações. A tecnologia hoje já nos permite criar diferentes patamares evolutivos junto dos colaboradores, sendo que, a cada novo degrau, corresponde uma necessidade de formação e um aumento da remuneração. Isto é completamente diferente do que se passa habitualmente. Esta necessidade de criação de uma política de recursos humanos já levou mesmo à duplicação do tempo dedicado a este módulo na formação que fazemos em parceria com a ACAP e o ISCTE. E convém acrescentar que isto resultou da análise dos próprios intervenientes.

O problema começa logo no recrutamento. Mais do que uma análise pura e dura do currículo de um candidato, precisamos de uma análise do perfil comportamental do mesmo. Eu prefiro ter na estrutura uma pessoa colaborante e que esteja predisposta a aprender do que alguém que tem um excelente CV, mas não se mostra tão disponível para trabalhar em equipa ou frequentar formações, por exemplo. Essa adequação do candidato à função e à cultura da empresa é, por si só, uma maior garantia de retenção da mão de obra.

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