Mercados
Quebra e um setor ‘às escuras’ para 2023
12/12/2022
Janeiro/Outubro 2022: a queda do mercado de matrículas de tratores agrícolas voltou a fazer-se sentir e a melhoria face ao período homólogo do ano passado é, já, residual - 1,58%.
Forte abrandamento na reta final do ano
Esta tendência, apontada por todos os especialistas contactados ao longo do ano, confirma-se em absoluto e traz ’agarrada’ uma grande dose de incerteza para 2023. A Solis lidera o quadro de matriculações por marcas, enquanto o escalão 51-120cv é o mais procurado em Portugal.
O balanço dos primeiros dez meses do ano já é um reflexo da análise feita pelos representantes das marcas que temos contactado desde o início do ano. O resultado ainda é positivo em relação ao período homólogo de 2021 mas falamos já de uma subida residual – 1,58% - que promete cair nos dois últimos meses do ano. Com os preços da energia e das matériasprimas ainda inflacionados e o stock escoado em relação às entregas atrasadas do último ano, o cenário de incerteza aumenta, esperando as marcas que os apoios do Governo se efetivem em 2023 para que o impacto no setor seja, pelo menos, amenizado.
Para João Pimenta, Diretor-geral da Ascendum Agro )Valtra), as marcas preparam 2023 ainda ‘às escuras’. “Para o próximo ano existe muito pouca previsibilidade pois desconhecemos medidas de apoio ao sector, procura de produtos agrícolas, previsão de rendibilidade dos agricultores, disponibilidade de componentes nas fábricas e incentivos ao investimento para os empresários agrícolas.” O atual contexto europeu – marcado pela Guerra na Ucrânia, subida de preços e alterações climáticas – acaba por retrair os agricultores no que toca ao investimento em máquinas, sendo o ínfimo crescimento do mercado sustentado pela Solis, marca que voltou a distanciar-se da concorrência e a fortalecer novamente a sua quota de mercado. Tal como já sucedera em agosto (439) e setembro (402), outubro foi o terceiro mês em que foram matriculados menos de 500 tratores (478), número que havia sido superado em cada um dos primeiros sete meses do ano.
Nota: Expurgámos os ATV e UTV homologados sob a categoria T e os Telescópicos. | Origem: IMT / Fonte: ACAP
Marcas
O impacto da Solis continua a fazer a diferença: com 677 tratores matriculados no fim de outubro, voltou a afastar-se da New Holland – marca que estava a 13 tratores de distância e agora já se encontra a 29 – e, se mantiver a média de 68 máquinas matriculadas por mês este ano, ultrapassará mesmo a barreira dos 800 tratores registados em 2022. Entre os cinco primeiros, que não alteraram posições, volta a destacar-se a quebra da Deutz-Fahr em relação ao período homólogo do ano anterior – ainda na casa dos 20% – e a da New Holland (8%), ao contrário de John Deere e Kubota: ambos confirmam uma subida na ordem dos 20%.
Unidades vendidas por escalão de potência
Analisando os segmentos de potência mais vendidos, o escalão 51-120cv confirma novamente a preponderância no mercado, justificada pelos apoios do Governo para a Renovação do Parque de Tratores Agrícolas – 51,48% dos matriculados -, ficando o escalão abaixo dos 50cv mais uma vez aquém dos 40%, comprovando a perda de força. Quanto aos segmentos de maior potência, o de 121-200cv continua na linha dos 7%, enquanto o escalão acima de 200cv superou-se em outubro: matriculou 17 tratores, número muito acima da média mensal (6,66%) deste ano, chegando às 77 unidades no total do ano.
Marcas e modelos mais vendidos, classificados por segmentos de potência
Segundo os dados do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), entre janeiro e outubro de 2022, foi a Solis que matriculou mais tratores e que contou com o modelo mais vendido: o Solis 26 4WD Stage V registou 301 unidades transacionadas (no final deste mês, este modelo representa 44,4% do total dos modelos Solis), contabilizando mais 127 unidades do que o Farmtrac 26 4WD, segundo modelo mais matriculado no fim de outubro. Quanto às marcas líderes nos diferentes escalões de potência, a Solis fortaleceu o domínio abaixo de 50cv, com 466 tratores matriculados novos, mais 231 do que a Kubota. No escalão 51-120cv, sobressai a New Holland, chegando aos 533 tratores matriculados, voltando aqui a situar-se a Kubota no segundo lugar mas já a 252 máquinas de distância. Já nas potências mais elevadas, a John Deere voltou a afastar-se da Valtra: nos 121-200cv, a marca norteamericana alargou a vantagem (163 contra 49), enquanto no escalão acima dos 200cv soma 32 tratores vendidos contra 15 da marca finlandesa.
A visão dos representantes
A revista abolsamia pediu a quatro representantes de marcas uma leitura ao mercado nesta fase do ano.
1 – Que leitura faz aos atuais números revelados após o fim do mês de outubro?
2 – Qual a sua expectativa em relação ao impacto no sector dos futuros apoios do Governo?
3 – Nos últimos anos, o mercado português tem estabilizado nas 5.000 unidades vendidas. Que previsão faz para 2023?
4 – No último Relatório do CEMA, é dito que os principais fabricantes de maquinaria agrícola europeia têm os livros de encomendas em “níveis recorde”. Em Portugal, por outro lado, o mercado comporta-se da mesma forma ou sente uma quebra na procura?
João Pimenta (Diretor Geral da Ascendum Agro)
“Previsibilidade para 2023 é diminuta”
1 – Os números de Outubro revelam uma esperada quebra no mercado, sendo mais acentuada no segmento entre 26 e 53cv, sendo que: acima dos 100cv, todos os segmentos descem cerca de 10%, fruto da conjuntura económica causada pela Guerra na Ucrânia e das dificuldades na entrega de máquinas; entre 54 e 100cv, o mercado registou um aumento de 20%, que muito deve ao incentivo à renovação da frota que o governo concedeu; estima-se que o mercado estabilize nas 6000 unidades ou apresente uma ligeira queda (1%..2% comparado com 2021).
2 – Se não houver apoios do Governo, dificilmente o mercado se manterá a níveis de 2022 e se os apoios forem direcionados à renovação de frota de tratores médios, tal como nos 2 últimos anos, creio que o seu impacto será inferior ao ocorrido. Para o segmento dos tratores acima dos 100cv, os fatores mais importantes seriam a continuação dos incentivos fiscais para as empresas agrícolas e linhas de crédito com juros bonificados, dada a natureza mais profissional destes segmentos e o crescente aumento das taxas de juro praticadas pelos bancos.
3 – Depende pois o mercado total tem-se mantido mais perto das 7000 unidades do que das 5000. Se excluirmos ATV´s e UTV´s falamos, sim, de 5300 a 5900 unidades. Para 2023, a previsibilidade é diminuta pois desconhecemos medidas de apoio ao sector, previsão de rendibilidade dos agricultores, procura de produtos agrícolas, disponibilidade componentes nas fábricas e incentivos ao investimento para os empresários agrícolas. Todavia, uma queda, a ocorrer, deverá situar-se entre 2% a 5%.
4 – Posso falar apenas pela Valtra e dizer que a nossa carteira de encomendas está em linha com o ano passado e que a fábrica regista números recorde e que praticamente poucos slots restam para 2023. Contudo, se o mercado sofrer um forte abanão, pode ocorrer uma inversão da situação e “sobrarem” tratores e faltarem clientes. É preciso ter algum cuidado e equilíbrio entre o stock disponível dos Concessionários e a procura de mercado para esses tratores.
Arnaldo Caeiro (Diretor Geral da SDF Portugal)
“Em 2023 prevê-se um decréscimo relativamente a 2022”
1 – A queda do mercado no final de Outubro era esperada. Justifica-se, por um lado, pelo ambiente de incerteza económica com um nível muito elevado de inflação ao nível global, e por outro lado, pelo finalizar das entregas de tratores vendidos ao abrigo da medida de renovação do parque de tratores.
2 – Para o próximo ano, se não existirem medidas de apoio ao investimento nas explorações agrícolas nem apoios para renovação do parque de tratores, prevê-se uma queda acentuada do mercado.
3 – Para 2023 a nossa previsão é de um mercado total pouco acima das 5.000 unidades, o que significará um decréscimo relativamente a 2022.
4 – O mercado português registou nos primeiros 3 trimestres uma tendência de subida, enquanto que a maioria dos outros mercados europeus estava em queda. A partir de Outubro, o mercado português acompanhou, em termos de tendência, os restantes mercados europeus. No que se refere à carteira de encomendas, esta tem sido afetada negativamente por uma diminuição da procura nos últimos meses.
Fernando Garcia (Diretor-Geral da CNH Industrial)
“Números confirmam o cenário que traçámos”
1 – Os números, que mostram uma quebra de mercado se excluirmos os tratores abaixo de 25 CV, vêm confirmar o cenário que traçámos anteriormente e só não é pior porque até meados do ano ainda temos o efeito positivo do programa de abates de 2021.
2 – Nesta fase, o mercado só pode evitar uma quebra significativa em 2023 se surgirem incentivos do Governo para o setor que permitam ultrapassar os fatores que constrangem o mercado. Mas ainda não surgiu qualquer sinal de que tal possa suceder.
3 – Este ano o mercado vai estar mais próximo das 6.000 unidades, embora mais de 1.000 unidades sejam abaixo dos 25 CV. Para o ano espera-se uma quebra significativa deste número pelas razões expostas acima.
4 – Infelizmente, a situação reportada pelo CEMA refere-se a uma agricultura profissionalizada que se pratica na maior parte da Europa. Portugal depende muito dos “agricultores amadores” e estes estão a ser fortemente impactados pela inflação e pela crise em geral, pelo que a disponibilidade para realizar investimentos na área agrícola diminui muito comparado com anos anteriores.”
Nuno Santos (Diretor Comercial do Entreposto Máquinas)
“Sem os incentivos governamentais, a queda vai continuar”
1 – Nos últimos meses o nosso mercado de tratores agrícolas registou uma queda em redor dos 15% face aos meses homólogos de 2021 (excluindo UTVs e ATVs). O que é consequência direta do arrefecimento da economia europeia e retração do investimento.
2 – Sem os incentivos governamentais, a queda vai continuar. O programa de apoios do Governo sempre contribuiu para a modernização e maior eficiência da agricultura e também se reflete nos números finais do nosso mercado pois fomenta o investimento.
3 – Nos últimos (bons) anos, os registos têm ficado acima dessas 5.000 unidades, com ‘picos’ recorde a rondar as 6.000 em 2017 e 2021. Este ano, as vendas tiveram um início forte mas a segunda metade trouxe um forte abrandamento, pelo que os números no final de dezembro serão semelhantes aos de 2021. Para 2023, a manter-se a tendência recente, haverá uma queda de mercado que deverá cifrar-se em menos 15% de registos.
4 – Apesar do CEMA ser uma entidade europeia, julgo que esse recorde de encomendas traduz a visão mundial pois, se nos focarmos só a nível europeu, a tendência dos mercados é de queda, tal como em Portugal. Ainda assim, deixo uma nota final otimista porque falamos, provavelmente, de uma situação conjuntural, devido à guerra na Ucrânia. Esperamos que passe depressa e que o sector da agricultura retome o caminho da modernização à procura da eficiência dos últimos anos, em que registámos volumes de atividade e índices de inovação muito interessantes.
Registo de Reboques
A tendência de quebra no mercado dos reboques manteve-se em setembro e outubro e se no fim de agosto as marcas haviam matriculado menos 47 reboques em relação ao período homólogo do ano passado, esse número ascendeu aos 55 no final do mês de outubro, com quatro das seis principais marcas a cair, sendo a Joper aquela que registou a queda maior (26,3%). Neste Top 6, a Massil, que já tinha registado a maior subida no f inal de agosto, repete a proeza: de 63 reboques matriculados no fim de outubro de 2021, passou para 134 no mesmo período deste ano. Nota ainda para a Rates, que foi uma de três marcas a matricular mais de 200 reboques nos primeiros dez meses deste ano, a par da Galucho e da Herculano. Desta forma, a empresa sediada no Porto, matriculou 214 reboques, mais 22 do que no final de outubro de 2021.
A revista abolsamia contactou Paulo Silva, gerente da Rates, que explicou desta forma o aumento de matriculações da marca. “É um bom resultado. Vendemos mais por causa da questão da homologação dos reboques, e mais venderíamos se já estivesse completamente resolvida. Há produtos para os quais não temos homologação e não os podemos vender. E também porque sacrificámos um pouco as margens de lucro. Creio que o IMT poderia agilizar um pouco mais a questão das homologações para ajudar os fabricantes nacionais”, explicou. Por fim, refira-se que, pese embora a quebra registada, a Galucho continua a liderar o mercado de matrículas de reboques.
Linhai reforça liderança nos ATV’s e CF Moto ultrapassa BRP nos UTV’s
Numa análise ao mercado de vendas de ATV’s (Veículos todo o terreno) e UTV’s (Veículos utilitários multitarefas) nos primeiros dez meses do ano, a Linhai reforçou a liderança de vendas de ATV’s: matriculou mais 89 veículos do que no mesmo período do ano passado, deixando a CF Moto mais longe, ainda que esta também tenha melhorado os registos. Nos UTV’s, o cenário já é diferente pois a CF Moto ultrapassou a BRP em outubro - depois do empate técnico em agosto e da liderança da BRP em setembro – chegando aos 96 veículos matriculados, mais 3 do que a marca canadiana. Nota para o crescimento do mercado dos veículos utilitários em relação à mesma altura do ano passado: nos ATV, há mais 26,49% de matriculados e nos UTV’s a subida é de 30,32%, embora ambos tenham registado quebras desde agosto.
Barómetro de Negócios da Associação Europeia de Maquinaria Agrícola (CEMA)
Melhor resultado desde o início da guerra de 2022
Depois dos primeiros sinais de estabilização revelados em outubro, o índice geral de clima de negócios para a indústria de máquinas agrícolas na Europa melhorou bastante tendo, em novembro, sido registado o melhor resultado desde o primeiro impacto provocado pela guerra na Ucrânia: subiu de 12 para 23 pontos (numa escala de -100 a +100), a melhor pontuação desde Março (30) e a maior subida do ano, depois de em julho ter aumentado de 13 para 18 pontos. O volume de encomendas corresponde já a um período de produção entre 6 a 8 meses e, apesar das carteiras de encomendas estarem sobrelotadas, os fabricantes de máquinas agrícolas na Europa começam, pouco a pouco, a dar uma resposta mais dinâmica.
Ainda assim, os aumentos de preços e os estrangulamentos verificados nas cadeias de abastecimento continuam a ser um desafio para o setor agrícola, mas o facto de haver uma quebra na procura ajudou os fabricantes a conseguir atender a um maior número de pedidos que se encontrava pendente desde os primeiros meses do ano.
Os participantes nesta pesquisa efetuada pela Associação Europeia de Maquinaria Agrícola perspetivam a continuidade da melhoria dos negócios pelo menos nos próximos seis meses, ainda que o clima de incerteza e ceticismo por parte dos representantes do setor agrícola seja agora bem mais elevado do que durante o primeiro semestre do ano: as expetativas para a próxima vaga de pedidos de maquinaria agrícola (indicador que não entra no Índice de Clima de Negócios geral) são reduzidas, face à desconfiança dos agricultores e empresários.